30 de outubro de 2013

A irritação


A cólera é uma breve loucura.
                                   Sêneca

A pessoa agressiva se sente agredida.

A pessoa irritada (colérica) é irritável (ultra-sensível, dolorosa, como uma pele irritada). A palavra “irritação” designa com muita propriedade e a um só tempo a cólera e o sofrimento.

A pessoa agressiva não pensa: “Eu sou agressivo”. Ela não sente sua própria agressividade, mas, em compensação, sente com grande intensidade a agressão do outro. É muito vulnerável.

A pessoa agressiva se sente agredida, isto é, mal-amada. Tem necessidade de ser amada, quer ser amada, acredita que seu direito de ser amada lhe é negado.

Por trás de toda agressão, esteja ela armada de conceitos e justificações, jaz a imensa angústia, a dor no coração da criança cujos choros não foram acolhidos. Encontre essa verdade em si mesmo.

A pessoa que se ama não tem “necessidade de ser amada”, reconhecida, valorizada, etc. O mundo não lhe recusa nada, não invade seu território. O mundo não lhe é agressivo a priori. Ela pode ser boa, generosa, amar de verdade.

O ódio é a tristeza acompanhada da idéia de uma causa externa.
                                                                                            Spinoza

A agressividade franca é sempre acompanhada do pensamento de que é o outro que nos agride. Quando sentimos nossa própria agressividade, é muito mais difícil ser agressivo.

Cada vez que você se sentir agredido ou ameaçado, observe atentamente o aspecto agressivo de seus próprios pensamentos e constate que ser agressivo e se sentir agredido são uma única e mesma coisa no espírito.

Por que, quando algo o deixa com raiva, você se prende a uma longa série de pensamentos de irritação em vez de um só?

Em vez de reagir com agressividade à agressão do outro, o indivíduo plenamente presente prova sua própria agressividade reativa. Assim, ele é capaz de sentir o outro que tem dentro de si, sentir o sofrimento, o sentimento que o outro tem de ser agredido. E exatamente o que ele próprio sente.

Por menor que seja o estado alerta de um indivíduo, ele é capaz de sentir em si o sofrimento daquele que agride. Então ele reage mais ao sofrimento de seu interlocutor do que à sua agressão.

O acusador se sente agredido sem sentir a própria agressividade. O agressor interpreta o mundo mais como hostil do que como sofredor. Tal interpretação o leva a fabricar um mundo efetivamente agressivo, já que a maioria de seus interlocutores tem uma reação agressiva à sua própria agressividade.

Só o sábio não reage. Ele sofre ao sentir o sofrimento do agressor: seu terror é ser preso na armadilha da hostilidade e não conseguir se desprender dela.

Um espelho que se reflete ao infinito em outro espelho, tal é a estrutura profunda da agressão.

O indivíduo alerta pode ter pensamentos agressivos, mas é capaz de reconhecê-los com clareza. Sabendo que são meros pensamentos, não se sente automaticamente obrigado a obedecê-los. E mais, o conhecimento que tem de seus próprios pensamentos de irritação permite-lhe compreender por empatia os pensamentos que o agressor emite em palavras ou em atos.

0 agressor, por sua vez, não vê seus próprios pensamentos. Não sabe se separar de suas emoções. Acha que o mundo hostil que projeta é real. Ao invés de se compadecer dos sofrimentos dos outros, imagina que são eles que se divertem com o seu, o que o deixa ainda mais raivoso. Então, embora seu primeiro movimento seja defensivo, ele se deleita com o sofrimento dos outros.

A virtude que permite controlar a irritação chama-se paciência.

A irritação é inevitável. Mas há duas maneiras de senti-la. Uma é acusando o outro por seu sofrimento e agredindo-o. A outra é reagindo à irritação com a benção do espaço e da compaixão:
— um espaço entre si e seus pensamentos; um espaço de respiração entre si e o outro, o espaço aberto pela ausência de reação; 
— compaixão por si mesmo, já que a irritação é um sofrimento; compaixão pelo outro já que sua raiva é uma dor.

Não há espaço sem compaixão, compaixão sem espaço.

Só quem se ama e se conhece pode amar e conhecer o outro e não mais agredir quando for agredido, encerrando assim o ciclo infernal da irritação.

O ignorante que não sabe se separar de seus pensamentos não é capaz de abrir espaço para a paz entre si e os outros. O espaço interno e o espaço externo têm exatamente a mesma natureza pacífica.

O ser consciente toma partido de cada irritação, desconforto, para progredir em seu autoconhecimento. Cada vez que sofre descobre uma nova zona de seu ego, um apego, uma imagem de si, um conceito (ilusório) do que as coisas deveriam ser.

O sofrimento é uma agressão a si mesmo. Toda agressão do outro é a contrapartida de um sofrimento do agressor. A agressão faz sofrer. A agressão sublinha a passagem do sofrimento.

A vítima e o carrasco queimam no mesmo inferno.

Sempre que você fica com raiva de alguém, cria um mundo de palavras duras, reprovações, cólera, sofrimento. Perde a indulgência que tem por si mesmo.

Sempre que fica com raiva, você se irrita contra uma projeção de seu próprio ego, uma pessoa ou uma situação que você forja. É o jogo de espelhos, a ilusão que o leva a lutar contra si mesmo.

Sempre que você fica com raiva, o orgulho, ou a cobiça, ou a irritação, ou a inveja, ou um veneno qualquer do espírito são estimulados em seu espírito. Você não deve responsabilizar uma pessoa de fora, mas tomar consciência de seu ponto fraco e observá-lo.

Só sofremos porque nos apegamos a algo. Mas podemos descobrir que aquilo a que nos apegamos é só um pensamento e que os pensamentos são como sonhos.

Nossa alma imóvel e luminosa projeta o mundo numa tela de ilusão.

Quando a raiva aumentar, lembre que você é o mundo e que, no fim das contas, é contra si mesmo que você está dirigindo sua raiva.

É a própria ignorância do vazio dos pensamentos que guia os dois representantes do sofrimento: a cobiça e a agressão.

É a própria inteligência do vazio que gera o espaço das relações pacíficas: o amor e a compaixão.

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O Fogo Liberador - Pierre Lèvy

22 de outubro de 2013

O sofrimento é só um pensamento


O segredo da felicidade está na escolha de nossos pensamentos, ou antes na direção de nossa atenção, a cada segundo.

A desventura vem do encadeamento automático e ininterrupto dos pensamentos infelizes.

A desventura consiste em julgar-nos felizes ou infelizes, em perguntar se somos felizes ou infelizes. Somos felizes quando vivemos no instante, em plena consciência, fora de qualquer julgamento.

Que o olho da consciência discriminante distinga sem descanso a ausência completa da “realidade objetiva” das causas de nossa dor e o caráter ilusório do próprio sofrimento: o encadeamento automático das emoções e dos pensamentos.

Primeiro pensamento: ela está fazendo barulho. Segundo pensamento: o fato de ela estar fazendo barulho me irrita. Terceiro pensamento: censuro-me por ficar irritado com o barulho que ela está fazendo pois devo amá-la. Quarto pensamento: censuro-me por me censurar, identifico-me com meus pensamentos e penetro no ódio que sinto por mim mesmo. O que nos faz mal não são nossos pensamentos e, sim, os julgamentos que deles fazemos; ou pior ainda, os julgamentos que fazemos de nossos julgamentos. Cortemos pela raiz as associações automáticas, as cadeias de pensamentos dolorosos e recuperemos desde já a simplicidade do instante.

Não podemos escolher nossos pensamentos, mas podemos decidir não acreditar neles. Culpar-se por um mau pensamento é aumentar o sofrimento. Será que somos responsáveis por nossos sonhos? Não. Mas se o pesadelo ficar insuportável, por que não acordar? Era só um pensamento.

Nossos pensamentos, nossas emoções: agitações de neurônios, secreções de hormônios. Nada de muito sólido. Por que então se fiar neles?

As emoções, tais como o ciúme ou certos fantasmas dolorosos, germinam como mato. Como extirpá-las? Como expulsar esses demônios devoradores? Como adquirir paz na alma? Basta lembrar que são meras ilusões formadas pelo espírito, um produto de seu pensamento. Poderíamos dirigir a atenção para outras representações ou nos abrir para o que nos oferecem os sentidos neste instante. Imaginando uma dor supostamente dos outros, ou comparando aquilo que é com aquilo que deveria ser, nos torturamos. Não paramos de produzir imagens, pensamentos, emoções que nos fazem sofrer. Somos, além disso, nossos próprios carrascos, carcereiros, nossos próprios ilusionistas e farsantes. As paredes e os instrumentos dessa câmara de tortura pessoal, que é às vezes nosso espírito, não passam de pensamentos, lembranças, temores, imaginações que não correspondem a nada de atual, nada de efetivamente presente aqui e agora.

É fácil dissolver a inveja. Lembre-se de que ninguém jamais possui um objeto. Vivemos todos instantes sucessivos. Não possuímos senão segundos de experiência que se esvaem tão logo vividos. A inveja, então, é, literalmente, sem objeto, já que a pessoa invejada não experimenta senão os segundos, um após o outro, tudo como você e como todo mundo. A única diferença entre os seres está na capacidade de aderir alegremente ao futuro. Reside na maior ou menor propensão a comparar constantemente nossa experiência com o que esperávamos que “ela devesse ser”. Ao invejar, produzimos do nada nosso próprio sofrimento. O sofrimento não surge porque não temos o que o outro possui (se fosse assim, seríamos necessariamente o tempo todo infelizes, já que há sempre alguém que possui algo que não temos). O sofrimento vem porque pensamos que ele ou ela tem aquilo que não temos.

Conseguimos aquilo que mais desejávamos e ainda assim continuamos sofrendo terrivelmente, seja pela lembrança de uma frustração anterior, pela idéia de que não conseguimos o objeto no momento em que começamos a desejá-lo, por todo o ressentimento, toda a dor que nos provocou a falta, pelo desejo insatisfeito, pela idéia de que parte de nossa vida esteve irremediavelmente privada do que mais precisávamos... ou pelo surgimento de um novo desejo. Mas, na realidade, o passado não existe e sofremos agora, quando o melhor a fazer é nos divertir. Toda essa infelicidade no passado está em nossa ausência, pois em vez de desfrutarmos do instante, abismamo-nos no desejo.

Ele tem o que eu não tenho. Eu tenho o que eles não têm. Ele é mais bonito, mais forte, mais feliz do que eu. Eles se divertem enquanto eu trabalho. Valho menos do que... Valho mais do que... Sou mais feliz do que... Sou mais inteligente do que... Sou melhor do que... Em cada um desses pensamentos, nossas almas se dilaceram. A comparação é a marca do diabo.

A comparação e a acumulação são reflexos íntimos do espírito. Sempre que estiverem em ação, lembremos que o instante presente é a única coisa que realmente existe e que não se presta a nenhuma das duas.

Temos sempre na cabeça uma vozinha, quase inaudível mas incansável, encarniçada, nos criticando e semeando a dúvida.

Passamos o tempo todo a nos minar insidiosamente. Não que não seja preciso nos examinar, prestar atenção em nossos atos e estados mentais, mas parece, justamente, que essa voz da crítica incessante escapa à atenção, o que lhe permite realizar mais facilmente sua obra de demolição. Ela escapa à atenção porque sou “eu” justamente que não paro de dizer à meia-voz “você não deveria... você fez mal... você deveria antes..., etc”. Essa voz maldita que se aloja no centro de nosso ser usurpa o lugar da alma, fazendo-se passar por ela. Mas sua natureza não é a da centelha e, sim, a de uma ducha de água fria, que nos assola. Transformamo-nos nessa ducha fria. E surpreendemo-nos de não mais encontrar o calor e a luz do fogo. Mas o Ego que está nas nossas costas e o Parasita que se hospeda em nosso peito empenham-se em querer apagá-la. Todos aqueles que nos criticam, nos culpam, nos desmoralizam se apoiam nessa voz que trai a voz interior. Pior: as circunstâncias e as pessoas que nos confundem traduzem essa voz no mundo “exterior”, materializam-na. Inútil fazê-la calar. Contentemo-nos com escutá-la distintamente e reconhecê-la pelo que ela é: nosso pesadelo inimigo. Ela perde o poder assim que é reconhecida.

Escute seu discurso íntimo. Que nobreza há em se cobrir de vergonha, em se justificar, em criticar os outros, em calcular seus efeitos? Abandone tudo isso e comece a se amar, a se amar exatamente como você é. Deixe o sofrimento.

Que atmosfera reina no seu íntimo? O ódio? A agressividade? O ciúme? O orgulho? O ressentimento? A falta? A voracidade? A cobiça? O medo? A culpa? A autocrítica? A auto-satisfação? A hipocrisia? O recalque? A serenidade de fachada? Ou antes a honestidade, o amor, a abertura ao instante? Observe sem trégua. Sinta o cheiro da sua alma.

Somos nós que produzimos nosso sofrimento: desejo, medo, culpa, arrependimento, desgosto, desprezo de si, inveja, orgulho, cólera... E quase sempre o sofrimento é abstrato, surge porque comparamos aquilo que é com aquilo que não é, aquilo que temos com aquilo que os outros têm, o presente com o futuro ou o passado. Lembranças que fazem mal, fantasmas torturantes, cenas imaginadas ou indefinidamente repisadas... No entanto, respiramos, sentimos, pensamos, participamos do milagre da vida. Se, ao menos, conseguíssemos ficar atentos nem que fosse por um instante à graça de viver...

Noventa e cinco por cento de nossos sofrimentos são imaginários.

O pensamento nos faz sofrer. Envolve-nos na cobiça, na agressão, no medo, na esperança, na ilusão... Se nos contentássemos em sentir, evitaríamos naturalmente o sofrimento.

O sofrimento é um pensamento que aspira ao prazer ou à fuga da dor, mas não há nada a fazer senão sentir, aqui e agora.

O mal é o que nos faz sofrer e nos impede de sentir. É uma única coisa: o pensamento.

Libertando-nos dos pensamentos, liberamo-nos do medo.

O problema não é atingir o estado vigilante. Isso já de saída traria a esperança de consegui-lo, a frustração de ainda não tê-lo atingido, o medo de estar para sempre distante dele. O problema é parar de sofrer agora. Parar, portanto, de pensar que não estamos alerta. Quando abandonamos um pensamento, um problema, uma dúvida, um medo e retornamos ao presente, ficamos alerta. A vigilância consiste em relaxar a própria vigilância.

Não há solução porque não há problema.
                                   Mareei Duchamp

Qual é a tonalidade da vida psíquica, a “base” de todas as atividades mentais? O medo, a culpa, a insatisfação, a frustração, a necessidade, a irritação... E ignoramos tudo isso. Trata-se da própria cor da existência. Essa cor é nosso ego, o que adquire “poder” sobre nós. Se, no lugar de deixar essa base passar despercebida, nos livrássemos do ego, ou se, ao menos, o víssemos e o relativizássemos, se lhe déssemos uma cara, então nenhuma tirania, nenhuma ilusão seriam exercidas contra nós. Recusaríamos qualquer cumplicidade.
Os outros egos e seus pretensos poderes não mais teriam em que se agarrar. Não poderíamos mais nos causar medo, apostar em nossa culpa, nosso desejo de ganhar, nossa angústia de perder, nosso desejo de louvação, nosso receio de censura, nossa “necessidade de amor”. Ao sair de cena o avalista do bem e do mal, das vitórias e das derrotas, aquele a quem dirigimos nossos pensamentos, o suposto “eu”; ao descobrirmos a futilidade daquele que julga e que arquiva atrás do espelho sem aço da consciência, tornamo-nos verdadeiros guerreiros.

A cobiça e a cólera solidificam os fenômenos e nos impedem de perceber seu vazio intrínseco. Por ignorância, supomos a existência das coisas ou dos indivíduos no fluxo instável da experiência e é a partir daí que o desejo e a agressão se desenvolvem. A cobiça e a cólera são só pensamentos, vozes que vêm nos visitar. Não somos nós que nos irritamos ou que desejamos. A cobiça e a cólera nos fazem tomar as ilusões pelas realidades. Os pensamentos são como sonhos e a ignorância, uma sonolência.

Realizar, ver, sentir a natureza onírica dos pensamentos no momento em que eles surgem já é um grande passo no caminho da sabedoria e da felicidade. Com efeito, os pensamentos não nos fazem sofrer, eles são o sofrimento. Tristeza, ódio, sentimento de desaprovação, desejo insatisfeito ou frustrado, inveja, ciúme, desprezo, medo, culpa, quase todas as dores são pensamentos. E se não aumentássemos os sofrimentos do corpo com os pensamentos, quão mais fácil não seria suportar a maioria deles! A partir de então, que liberdade a de perceber claramente o caráter onírico e ilusório dos pensamentos que surgem! O sofrimento foi só um sonho ruim.

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O Fogo Liberador - Pierre Lèvy

[ Texto dedicado a uma grande pessoa, a qual tive o imenso prazer de "coincidentemente" conhecer: "A vida é isso Gu, um belo e enorme enigma que, quando desvendado, nos revela tudo aquilo que sempre sonhamos, e que antes imaginávamos ser apenas parte deste sonho bom. Mas que não é... é real, e está a sua espera para ser contemplada." ]

8 de outubro de 2013

Meditação traz inteireza e saúde


Osho, meditação é suficiente para tornar-nos inteiros e saudáveis? Por favor, explique.

A palavra "meditação" e a palavra "medicina" vêm da mesma raiz. Medicina significa aquilo que cura o físico, e meditação significa aquilo que cura o espiritual. Ambos são poderes de cura.

Outra coisa a ser lembrada é que a palavra "cura" (heal) e a palavra "inteiro" (whole) também vêm da mesma raiz. Estar curado simplesmente significa estar inteiro, não faltando nada. Outra conotação: a palavra "santo" (holy) também vêm da mesma raiz. Cura, inteiro,  santo, não são diferentes em suas raízes.

Meditação cura, faz você inteiro; e ser inteiro é ser santo. 

Santidade não tem nada a ver com fazer parte de qualquer religião. Fazer parte de qualquer igreja. Simplesmente significa que interiormente você é total, completo, nada está faltando, você está realizado. Você é o que a existência queria que você fosse. Você percebeu o seu potencial.

No Ocidente, a meditação não criou raízes, por que as três principais religiões do Ocidente, e as duas ramificações do Judaísmo, Cristianismo e Islamismo, todas são orientadas por oração.

Oração e meditação são absolutamente contrárias, oração move-se para fora. Oração é endereçada a algum Deus que você não conhece, é só uma crença dada a você pelos seus pais, sociedade, igreja, sinagogas.

Você ora, mas não existe ninguém escutando a sua oração. Não existe ninguém que responderá por sua oração. Sim, as pessoas que oram sentem-se bem; mas isso não significa que a oração delas foi ouvida.

Só de orar, elas se tornam silenciosas. Só de orar, um certo tipo de atitude surge nelas; elas deixam de lado seus egos, elas deixam tudo de lado. Tornam-se acentuadamente concentradas na idéia de um Deus. Esta é a idéia, a projeção delas, e isso dará à elas um sentimento de bem-estar. E esse bem-estar é completamente ilusório, faz você sentir que a sua oração é significativa. E que deve existir um Deus; caso contrário, depois de orar, porque você se sente tão sereno, tão calmo? Oração funciona quase que como auto-hipnose.

Não é necessário um Deus, você pode concentrar-se em qualquer coisa. Na Índia há pessoas que adoram árvores, e elas sentem o mesmo. Há pessoas que adoram estátuas, um monte de pedra, e elas sentem o mesmo. Há pessoas que adoram o sol, ou o rio, e elas sentem o mesmo.

A questão não é o que você está adorando; a questão é que se você concentrar-se você entrar em um transe hipnótico. E um transe hipnótico e muito relaxante, dá-lhe um bem-estar. Então, se você ora só para sentir esse bem-estar, não há mal algum, é perfeitamente ok. Mas isso não tem nada a ver com a busca pela verdade. Não tem nada a ver com o conhecimento do seu ser. Meditação move-se para dentro; oração direciona-se para fora. É por isso que eu digo que suas dimensões são pólos opostos.

Para orar à um Deus é preciso, um objeto. E você pode ter o objeto que quiser. Os hindus tem trinta e três milhões de deuses. Por que ter só um quando se trata de sua imaginação? Por que ser tão miserável? Os hindus tem deuses em abundância. Você pode escolher de acordo com o seu gosto qualquer tipo de deus.

Para as pessoas de fora parece muito estranho, mas elas não entendem a psicologia da oração. Não importa para o que você está orando, para quem sua oração está sendo endereçada. Tudo que importa é que você deve estar concentrado. Você pode fazer o mesmo apenas deitando e olhando para a lâmpada sem piscar os olhos, orando, pelo menos a lâmpada não é a sua imaginação, ela está lá e rapidamente você entrará em um transe hipnótico. E quando você voltar a si você se sentirá revigorado, rejuvenescido, mais vivo do que nunca, mais jovem.

Então, não tem nada de errado, até onde essas coisas possam trazer-lhe benefícios. O problema é você achar que isso é religioso, que é crescimento espiritual, daí você estará caindo dentro de uma perigosíssima falácia.

Religião é uma jornada interior, e meditação é o caminho. O que a meditação na verdade faz é, levar você, sua consciência, o mais profundo possível. Até mesmo o seu corpo torna-se algo exterior. Até mesmo sua mente torna-se algo exterior. Mesmo o seu próprio coração - que é o que mais se aproxima do centro do seu ser, torna-se exterior.

Quando seu corpo, mente e coração, todos os três, são transcendidos, então você chegou no centro da sua existência. Esta chegada ao centro é como uma imensa explosão que transforma tudo. Você nunca mais será o mesmo, porque agora você sabe que seu corpo é só uma carapaça; a mente é um pouco mais interna, mas não é realmente seu núcleo interno; o coração é ainda mais interno, mas não o seu centro mais profundo. Você está desidentificado com todos os três.

Por causa disso que George Gurdjieff costumava chamar seu caminho de "o quarto caminho", porque se você for capaz de transcender esses três você chegará no quarto, além do qual não tem mais para onde ir. Você chegou ao fim.

Mas isso lhe dá muitas experiências. Você começa a sentir-se, pela primeira vez cristalizado, não como aquela antiga e doentia personalidade que você sempre foi. Pela primeira vez você começa a sentir uma incrível energia, uma inesgotável energia, que você nunca havia percebido. Pela primeira vez você saberá que a morte acontece somente ao corpo, a mente, ao coração, mas não a você.

Você é eterno. Você sempre esteve aqui, e você sempre estará aqui em diferentes formas, e finalmente num estado informe. Mas você não pode ser destruído, você é indestrutível. Isso te liberta de todos os seus medos. E o desaparecimento do medo é o aparecimento da liberdade. O desaparecimento do medo é o aparecimento do amor.

Agora você pode compartilhar. Você pode dar quanto você quiser, porque agora você é uma fonte inesgotável de água viva. Muitos que estão sedentos virão até você. Eles lhe encontrarão, não haverá necessidade de chamá-los; a própria sede colocará você em contato com eles. Eles se aproximarão mais de você, porque à medida que se aproximarem sentirão o desaparecimento da sede e o aparecimento de um grande contentamento. Do mesmo jeito que você está, eles estão se tornando.

Meditação faz-lhe inteiro, faz-lhe santo, e faz-lhe uma fonte inesgotável para aqueles que estão famintos, sedentos, buscando, procurando, tateando na escuridão.
Você se torna uma luz, e muitos podem compartilhar sua luz. Você pode ver: uma vela acesa pode acender muitas outras velas. E isso não faz diminuir sua luz. 

Um ser iluminado pode compartilhar sua luminosidade e muitos podem se tornar iluminados. Mas sua iluminação não diminui; ao contrário, aumenta. Quando mais ele dá, mais ele tem. Chega um momento em que ele se entrega totalmente. E esse é o momento em que ele se torna um mestre. Então, aqueles que estão prontos para pegar, que estão abertos, disponíveis, podem pegar o quando quiserem.

O mestre é só uma luz. Ele não é um professor, mas algo transparece entre ele e o discípulo. E no momento em que o discípulo também se torna iluminado, não há diferença entre o mestre e o discípulo. E isso é maior contentamento para um mestre, quando todos os seus discípulos também se tornam mestres. 

Essa tem sido minha idéia em criar comunas ao redor do mundo. Essas comunas não são como as ordinárias organizações religiosas, essas comunas não são comunas de crentes. Essas comunas são laboratórios alquímicos para transformação e criação de mais e mais mestres. Com menos do que mestres eu não me satisfarei.

Meditação é o caminho para a maestria do seu próprio ser. Não é necessário nenhum Deus, não é necessário nenhum catecismo, não é necessário nenhum livro sagrado. Ninguém precisa se tornar Cristão, ou Judeu, ou Hindu, tudo isso é pura besteira. Tudo que é preciso é que encontre o seu centro, e meditação é a maneira mais simples para se encontrar. Ela fará você ser inteiro, saudável espiritualmente, e fará você tão rico que você poderá destruir toda a pobreza espiritual do mundo.

E esta é a real pobreza. A pobreza do corpo físico por comida, por roupas, por abrigo, pode ser facilmente resolvida pela ciência e pela tecnologia. Mas a ciência e a tecnologia não podem lhe dar bem-aventurança, está além do alcance delas. E você pode ter tudo que o mundo tem a oferecer, mas se você não tiver paz, serenidade, silêncio, êxtase, você permanecerá pobre. Na verdade, você sentirá sua pobreza mais do que nunca, porque o contraste estará lá. Você estará vivendo em um palácio de ouro, e você saberá que é um mendigo. Você pode olhar para dentro, não há nada, você está completamente vazio.

É por isso que, quanto mais a humanidade se torna inteligente, mais madura, mais e mais as pessoas começam a sentir sua insignificância, mais e mais as pessoas começam a perceber que a vida é acidental, que é simplesmente inútil continuar vivendo.

De acordo com os últimos estudos filosóficos no Ocidente, tudo indica uma coisa, que talvez suicídio seja a única solução. E claro, se você não conhece o seu mundo interior, e você tem disponível tudo que o mundo pode lhe dar, suicídio parecerá ser a única solução.

Meditação pode fazer de você interiormente rico. Então suicídio fica fora de questão; até mesmo se você quiser se destruir, não tem jeito. Seu ser é indestrutível. E conhecer esta imortalidade é libertar-se - da morte, da doença, da velhice. Todas essas coisas virão e irão, e você permanecerá intocável, sem arranhões. Sua saúde interior está além de qualquer doença. E ela está ai, só precisa ser descoberta.

...
OSHO - From Bondage to Freedom – cap. 28 – pergunta 2