5 de setembro de 2013

A grande igualdade do instante


Pese cada onda de existência que o atravessa: esperança ilusória ou alegria do instante? Alimento narcisista para o ego ou força de vida? Abertura de espaço ou eterno argumento do sofrimento? Guerra contra si ou paz com o mundo? Os enófilos reconhecem os vinhos ficando sensíveis a toda sutileza, a todo leque de perfumes e gostos. Você também, já que teve a sorte de beber o vinho da vida, sinta, prove, aprecie com a maior acuidade o fluxo variável do suco da existência. E não escolha. Sorva todos os tragos, depois deixe-os fluir um por um.

O Corão, que os homens denominam a palavra suprema,
lê-se de tempos em tempos, mas quem o lê sempre ?
Ah! Sobre as linhas do cálice, um texto adorável está gravado
Que a boca, na falta de olhos,
ela própria, sabe ler.
                                                                                  Ornar Khayyam


Você está em uma determinada situação. Você é essa situação. Mas imagina que uma outra situação seria melhor, ou que essa mesma situação será melhor mais tarde, ou que ela era melhor antes, ou que outras pessoas gozam de uma situação melhor, ou que essa situação é apenas uma forma de conseguir outra. Você já não está mais lá. Ao fugir daquilo que chama de sofrimento ou ao perseguir aquilo que imagina ser a felicidade, você não vive a única vida que está à sua disposição, a do instante.

Você está tão ocupado pensando no que as coisas deveriam ou poderiam ser que não vive plena e conscientemente o segundo de vida que lhe foi dado agora, o único que conta, o único que existe de verdade. Você rouba de si mesmo a própria vida.

A meditação é uma aprendizagem do instante.

Carpe diem.

O sofrimento nasce porque imaginamos, tememos ou esperamos uma situação diferente da situação presente. Se aderíssemos às coisas tais como são, só haveria energia.

O espírito quase nunca está calmo, num estado que nos permita ver a realidade tal como é. Ele é movido por uma espécie de pressa, urgência, febre, desejo, sede, cobiça, irritação, que nos faz perder seu estado natural. Está sempre agitado por pensamentos. Quando estamos totalmente presentes, deixamos de querer buscar outro lugar e o espírito pára de se agitar. Deixe o espírito descansar em seu estado natural. Abrande o desejo, a pressa, a precipitação. Verá as coisas tais como são.

Se você não tivesse desejo nem aversão, portanto nenhum sofrimento, jamais desejaria abandonar o instante. Nunca se sentiria pressionado. Seria único. Descansaria. Estaria em paz.

A disciplina do instante é uma aprendizagem da paz.

Sentir as emoções significa estar presente, não ser pressionado a dele escapar.

Somos pressionados porque sofremos. A pressa é sinal de falta, de vício. Repousar no instante é o maior sinal de independência.

Se todas as aversões e todos os desejos (a pressa da aversão e do desejo!) são pensamentos e se todos os pensamentos são vazios, como sonhos, então, a pessoa que vê o vazio dos pensamentos e das percepções no momento em que eles surgem jamais será presa da pressa de abandonar o instante presente. Para ela tudo seria igual, tanto faz.

Não confundamos indiferença com eqüidade, nem desinteresse com abnegação.

Que os fenômenos antes se reflitam com clareza na superfície lisa do espírito do que nela provoquem as ondas da aversão e do desejo.

As ondas da aversão e do desejo são fenômenos como quaisquer outros.

O instante é uma bolha de sabão cintilante em que só podemos penetrar quando o espírito não é mais cutucado pelos espinhos da aversão e do desejo.

Todo instante é sagrado e clama por uma lentidão sagrada.

...
O Fogo Liberador - Pierre Lévy

Nenhum comentário:

Postar um comentário