24 de setembro de 2013

O bem e o mal


A aversão é um sofrimento causado pela presença de um objeto. O desejo é um sofrimento causado pela ausência de um objeto. Se o ego é uma série de pensamentos de aversão e de desejo, então uma pessoa desprovida de ego (que não acredita em seus pensamentos), nada “preferirá”.

Observe-se cada vez que se sentir agredido. Descobrirá que a agressão sempre se deve ao ego. Porque você se “apega” a isto ou aquilo. Uma pessoa sem ego descobriria que tudo é bom, tudo é igual. Para ela, nada mais seria bom ou ruim.

Sofremos por causa do “bom” e do “ruim”.

Na alcova e na escola, no mosteiro
e na sinagoga
Abrigam-se os que temem o Inferno
e buscam o Céu.
Quem conhece os segredos de Deus
Não lança tais sementes
no seio do coração
                                   Ornar Khayyam

O mundo do ego é em preto e branco: o bem e o mal, o prazer e a dor, a vitória e a derrota, ser privado de um objeto de desejo ou consegui-lo... O mundo da vigilância é em cores: nossa experiência modula uma infinita variedade de qualidades de energia. O mundo do ego e o da vigilância são exatamente o mesmo, só a visão difere.

Não amo o que sou. Sinto falta do que não tenho. Palavras do ego.

Temos sempre tudo. Tudo tem o gosto da existência. Experiência da vigilância.

“Tudo é sempre exatamente como é”: pensamento escandaloso, experiência de suprema graça.

Alma igual, mundo igual.

Não haver mais algo bom ou ruim não indica indiferença, insensibilidade ou negligência. Estaríamos assim confundindo abnegação com desinteresse, o fato de ser curioso por tudo com o fato de só se entreter com as aversões e os desejos.

Quando virmos alguém desejando ou rejeitando, amando ou odiando, brigando ou se irritando, pensemos: ele está sofrendo. Então, tenhamos compaixão!

A sociedade não cuida das almas, da vida interior, da existência real. Ela só exige uma coisa: cuide das aparências. Se você é capaz de manobrar seu inferno interior seguindo as regras, ela se satisfaz. Então, peço, “eu”, que seu próprio “eu” deixe o inferno e o paraíso. Esqueça as aparências.

* * *

Independente do que fazemos e de nossa vontade, estamos no centro do mundo. Mas a identidade do eu e do mundo pode ganhar diversas formas cujo leque variado se estende entre dois extremos. Em um deles, limitamos o mundo às dimensões do ego, que só reflete nossas categorias, nossos preconceitos, nosso drama interior. Esse mundo pobre, repetitivo, é restringido a uma bitola de pensamentos mesquinhos e circulares, colorido de medo, ressentimento, cobiça, vícios e de dependências neuróticas. O ego tem o mundo que merece: um mundo fabricado, separado de si, especular. No outro extremo, o ego explode e o “si” se estende às dimensões do universo, sem lhe impor ordem, categorias, pensamentos estruturantes. O mundo do ser alerta não é mais fabricado, mas sempre novo, sempre aberto. A rigidez da percepção e da interpretação desaparece. O mundo é percebido como se fosse a pele. O Universo nada mais é do que o jogo das formas e das cores sobre a retina, a própria vibração do tímpano. 
Eu sou o mundo. Não se trata mais de um mundo “objetivo”, mas, muito pelo contrário, da embriaguez fresca de um mundo em criação, que germina a cada segundo, um mundo inteiramente subjetivo, fluido e transitório: o tecido matizado da experiência.

Reduzir os rigores, os bloqueios para encontrar a mobilidade sem entraves, a leveza. Executar perfeitamente uma postura, um gesto, um passo. Abrir-se para forças estranhas, deixar-se invadir pela inspiração. Parar de “se apegar” a algumas idéias e atingir uma determinada impessoalidade do pensamento. Estar a serviço dos outros. Tornar-se puro veículo do influxo divino. Recuperar a pura presença. São umas das tantas maneiras de abstrair-se.

Os conceitos são figuras da rigidez mental e as neuroses, da rigidez emocional. Os conceitos e as neuroses partilham exatamente da mesma natureza, a limitação. O ego pode ser definido como o conjunto dos “apegos”, da rigidez, dos aprisionamentos, tudo o que nos impede de ser livre, isto é, de estarmos integralmente presentes na vida.

Atualize sua capacidade de sentir, pensar, agir e amar. Abandone as imagens do ego e desenvolva sua força.

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O Fogo Liberador - Pierre Lèvy

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