17 de setembro de 2013

Separação, vitória e derrota


A separação

O ego se desenvolve a partir da ilusão de que alguns acontecimentos me dizem respeito (de que até mesmo são “eu”) e outros não.

Para os que estão alerta, só existe um único mundo.
                                                                       Heráclito

O ego nos faz esquecer que somos o mundo.

A vítima do ego quer desesperadamente que o mundo gire em torno de si. Mas, na realidade, todo o seu ser depende da imagem que os outros lhe refletem, dos prazeres que busca, das confirmações — jamais suficientes — que reclama sem cessar do ambiente.
Ela está totalmente descentrada, e não se contém em si mesma. Quem se libera do ego pára de esperar que o universo gire em torno de seus desejos e de suas aversões. Deixa de querer pôr o mundo a serviço de sua imagem e ri daquelas que os prisioneiros do ego lhe refletem.
Este último se basta. Está realmente no centro do mundo. Ele é o mundo.

A exigência de desprendimento parece paradoxal pois ele envolve ao mesmo tempo a conexão consigo mesmo e a compreensão de que formamos um único ser com os outros, as situações e o mundo. Mas é justamente do ego que devemos nos desprender, e dele somente, já que este resume tudo o que nos desune, nos particulariza, nos fecha e nos desconecta.

Um dia estaremos definitivamente desprendidos, livres, separados de nosso ego: último ardil do ego.

Somos quase todos incompletos: falta-nos saúde, ou inteligência, ou dinheiro, ou um título, ou um parceiro sexual... Bastaria, porém, que deslizássemos para o centro de nossa vida para descobrir que sempre fomos inteiros.

Aproxime-se ao máximo daquilo que está sentindo. Volte-se para a vida da alma. A única totalidade, o único mundo que existe realmente é aquele que você abraça. Riqueza infinita da vida da alma: só ela existe, ela é tudo.

O ego nos faz crer que há algo além da vida da alma no instante.

A violência não é senão a separação, o rasgo do grande tecido, a separação do bem e do mal, do ser e do dever ser, do eu e do outro, de si e do mundo, daquele que percebe daquilo que é percebido, de si consigo.

Tudo é feito da delicada matéria da alma. O primeiro dualismo separa o sujeito da experiência.

O ego determina tudo o que nos afasta de Deus, isto é, tudo o que nos distancia da inocência e da espontaneidade.

O ego destaca tudo o que nos separa de Deus, isto é, tudo o que nos separa.

Toda separação é uma separação de si mesmo.


A vitória e a derrota

Observe-o! É só um agressor, um pitbull. Seu prazer é mostrar que ele é o chefe, que comanda, que pode dominar, fazer mal, morder. Sua única finalidade é vencer e imagina que todo mundo é como ele. Considera qualquer outro modo de viver como fraqueza ou hipocrisia.

Ao decidir ganhar, você opta pelo mal. Oscila no mundo dos mortos-vivos, o mundo em preto e branco dos obcecados pela vitória.

O mal ganha sempre. O mal sempre ganha porque é só isso que sabe fazer: ganhar. É sua única preocupação e é assim que o reconhecemos: ele ganha, é vitorioso, ele triunfa.

Os sábios nada têm a ver com vencer: eles vivem. A vida é tão mais bela, rica e verdadeira do que a vitória! A vitória só é sinal, aparência, ego. Só o amor penetra na plenitude e na continuidade da vida. Aos insensatos, que não conseguem atingir a riqueza da existência nada mais resta senão a vitória. E com a vitória eles só conservam a vaidade.

Um homem muito rico tinha um belo castelo no campo cercado por um grande parque onde seus jardineiros haviam reunido todas as maravilhas da natureza. Mas em vez de morar no palácio, o rico homem passava o tempo tramando intrigas políticas na atmosfera poluída da capital. Você é o homem rico, o castelo é sua presença sensível e a capital poluída, seu ego.

Quem está enredado nas malhas do ego quer ganhar mais, ganhar sempre. Quanto menos se vive, menos se aprecia o presente, mais é preciso assegurar-se da própria existência, forjando uma imagem de si. Então persegue-se o poder, o dinheiro, o prazer, o prestígio, o sentimento de ter razão, e o que mais sei lá eu... Mas com todos esses objetos, tem-se como recompensa o ressentimento, a culpa, o medo, a dúvida, a falta. O prisioneiro do ego só pode continuar vencendo, se deixar os outros num nível ainda mais baixo do que o seu, se propagar a gangrena do ego: forçando os outros a guiar o pensamento pela vitória e derrota, pelo prazer e pela dor. Desperta o medo e a esperança. Quer que os outros “duvidem de si mesmos”, ainda mais do que ele. O malvado perturba você, envolve-o, desestabiliza-o, descentra-o. Quer seduzi-lo, amedrontá-lo, fazê-lo sofrer. O sábio, por sua vez, aponta-lhe sorrindo a ternura do instante.

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O Fogo Liberador - Pierre Lèvy

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