16 de agosto de 2013

Meditação


A meditação é a via principal do conhecimento e do domínio de si.

Podemos vencer um milhão de homens em uma só batalha. O maior guerreiro, porém, é aquele que vence a si mesmo. (Dhammapada)

Mais do que fugir de seus objetos de aversão ou de perseguir seus objetos de desejo — em pensamento, em fala e em ato —, volte- se para sua própria existência e contemple-a ali.

Sento-me de pernas dobradas em uma almofada no chão. Endireito as costas. Ponho as mãos nos joelhos. Fico com os olhos abertos, e o olhar para baixo. Não me mexo. Sem manipular a respiração, presto atenção lentamente na expiração a fim de ancorar-me no instante. Estou presente, estou aí. Não atinjo um estado “especial”, não adormeço, não me lanço em meus pensamentos. Quando os pensamentos me levam para além do instante presente, ponho-lhes a etiqueta “pensamentos” e volto à minha expiração. Observo sem cansar minhas sensações, emoções e pensamentos sem neles me apegar, sem julgá-los.

A meditação: não o “misticismo”, nem experiências extraordinárias, apenas um exercício de atenção, muito simples, gratuito, acessível a todos. Somente uma coisa: a atenção se dirige para o interior.

A meditação é o extremo oposto da premeditação.

Na meditação, o presente, ao fugir do pensamento errante, brinca de esconde-esconde com o eterno presente.

Sua jangada flutua num mar agitado. Você só pode ficar de pé se vigiar atentamente a ondulação do mar, se estiver intensamente presente em cada onda. Uma onda sucede outra onda e mais outra, sem parar. Você fica assim nesse jogo, minutos a fio, ajoelhado, com os braços estendidos na frente ou contrabalançando dos lados, os quadris girando, amortecendo as marés altas e baixas, as quedas, o balanço, a arfagem da jangada sobre as ondas. Você vê as ondas chegando, pequenas, grandes, de frente ou de través, e se prepara com o movimento da jangada. Se estiver desatento, você cai. O mar nada mais é do que o espírito; as ondas, as emoções e os pensamentos. Quando seu zelo e atenção falham, você cai brutalmente no chão do barco. Mas se mantém a guarda, se não relaxa sua presença, se sua consciência registra cada onda chegando, uma após a outra, a vida passa a ser um jogo maravilhoso. 
Se, porém, perder um minuto de atenção, esquecer que as emoções e os pensamentos são agitações do espírito, então leva uma chacoalhada, é levado pela ilusão, golpeado de frente pelo sofrimento. Você é capaz de manter constantemente uma presença de espírito plena em todas as suas sensações, emoções e pensamentos? Consegue ver com clareza, em cada um deles, no momento em que surgem, sua natureza vazia e transitória?

Observemos sem cessar o automatismo mental e trabalhemos para amenizá-lo, torná-lo maleável, até que, por fim, ele desabe.

Basta querer pegar e dominar algo para não conseguir dominar nada e ser preso à armadilha do sofrimento. O domínio da vida passa pelo domínio do espírito e este último se resume ao exercício de relaxamento.

Relaxe. Relaxe. Relaxe continuamente, um segundo após o outro.

Para retomar a corrente da entropia mental, ponha na entrada de seu espírito um demoniozinho-guardião que examine todos os pensamentos, mesmo o mais ínfimo, o mais imperceptível. A luz da plena consciência, que esse gênio fisionomista possa distinguir nitidamente os pensamentos que alimentam o narcisismo, o medo, a agressividade, a cobiça, a frustração, etc. Que reconheça os combustíveis da tristeza, o retorno da infelicidade, os atrativos neuróticos. Que identifique também a alegria desinteressada, a felicidade do instante compartilhado, o prazer de ser, a força da alma.
Que a luz da consciência se contente em brilhar. Que o demônio se limite a observar.

Observe com atenção o caráter repetitivo e estéril dos pensamentos automáticos, esses “venenos do espírito”, que o fazem fugir para o passado ou futuro em vez de abri-lo à dádiva incondicional da existência presente.

Pratique o exercício de escapar do tormento, das obsessões, da loquacidade mental, para abrir-se às situações e aos seres, aqui e agora.

Observe sem trégua, sempre, seu rosto interior, seu corpo emocional, aquilo que se expressa quando você se abandona, não pensa em mais nada.

Pratique a cinestesia da alma.

Começará a sentir a alma. A medida que você vai se despertando, descobre um coração cada vez mais vasto, mais sensível.

Quando você volta a atenção para o interior, depois de ter atravessado o muro dos pensamentos, atinge o coração, a alma, o ser terno e vulnerável, a criança muda, a criança que chora em silêncio.

Una-se a seu rosto interior, o rosto daquele que não tem nome.

Se não entrar em contato com o rosto interior, ele se materializará no corpo e o assombrará mundo afora.

Uma meditação suficientemente assídua acaba, cedo ou tarde, encontrando uma consciência impessoal.

O corpo é imóvel. O espírito tende a se acalmar. Nada fazemos. Nada queremos. O mundo interior encontra a luz em si mesmo. Há apenas um único mundo para uma única luz.

A luz da consciência brilha absoluta em toda parte.

Que o objeto principal da atenção seja nossa experiência direta, cotidiana, a cada segundo.

O espírito comum parece uma enorme bolha instável que estoura e se dispersa em centenas de bolhinhas levadas pelo vento, para em seguida se restabelecer, explodir mais uma vez e se dissipar em mil pensamentos ao menor sopro da imaginação. Exercitado pela meditação, o espírito que guarda sua unidade ondula, treme, vibra e vive, mas permanece inteiro apesar das deformações. Seu invólucro liso e transparente reflete a alma e contém o mundo.

...
O Fogo Liberador - Pierre Lévy

Nenhum comentário:

Postar um comentário