16 de agosto de 2013

Ver as coisas tais como são


Um macaco não medita. Só o homem é capaz de se identificar com sua consciência e não se perder nas sensações, emoções e nos pensamentos.

O ser humano é único porque consegue se destacar de seus desejos, aversões, esperanças e medos. Cultivando a consciência, nossa espécie pode se libertar de seus impulsos e ilusões.

Escute seus pensamentos, escute-os sem parar. Este aqui não está centrado na agressividade? E aquele outro, não é de cobiça? Será que você não está lançando um conceito tosco sobre uma sensação singular? De tanto observar os pensamentos, podemos distinguir cada vez melhor sua cor, gosto, textura, música. É possível reconhecer os venenos do espírito tão logo eles aparecem.

Aprenda a tomar consciência dos pensamentos sem julgá-los (o julgamento é um pensamento a mais) e sem tornar-se prisioneiro deles. Esteja atento a suas emoções sem que elas o manipulem.

Exercite estar presente por muito tempo, sem se deixar tomar pelo que você pensa. Aprenderá, assim, a desenvolver o sexto sentido: o olho voltado para o interior.

Achamos que nossos dois olhos nos permitem ver claramente o mundo externo quando, na verdade, eles só nos oferecem uma visão confusa. Só se desenvolvermos a acuidade do terceiro olho — aquele voltado para o mundo interior —, é que poderemos ver as coisas tais como são. Para pararmos de projetar, basta subtrair de nossos dois olhos a visão do terceiro olho.

A aurora do despertar desponta quando a luz da consciência ilumina não somente algumas zonas especiais de fora, mas também de dentro, o mundo total, panorâmico. A consciência não está nem dentro nem fora, ela brilha dos dois lados, ilumina tudo: os movimentos, os sons, as sensações, as emoções, os pensamentos.

O ego era só o pensamento acomodado na sombra.

Não somos nem isto nem aquilo, tampouco o coração que sangra, mas a luz impessoal da consciência que ilumina tanto dentro quanto fora. Dentro de nós não há ninguém. Pensamentos, como ratos, correm indefinidamente uns atrás dos outros. E as emoções são tremores, vibrações, jatos d’água, incêndios que acendem e apagam.
Nada disso sou eu. A luz anônima da consciência brilha nessa cidade complicada da alma. uma cidade que se desenvolve, cresce, conquista um mundo cada vez mais vasto à medida que o sol da presença resplandece sobre ela.

Quando a luz da atenção é constante e energicamente acesa, quando nos mantemos no seio da consciência que ilumina tanto dentro quanto fora, a dualidade se esvai. Tudo está no interior: os objetos da visão, da audição, da consciência, o céu e o medo, as pessoas e o amor, as árvores e as dúvidas.
E o coração está no centro de tudo. A partir de então que sentido faz comparar a realidade (de dentro ou de fora, tanto faz) com o que gostaríamos que ela fosse?! O pensamento que quer isto ou aquilo é só um elemento a mais da realidade total, do mesmo modo que esse som ou essa forma. Não adotamos mais o ponto de vista dos pensamentos, não nos identificamos mais com eles.
Cada um emite um grito ou um sussurro. Passamos a escutá-lo atentamente, a reconhecê-lo como se reconhece uma paisagem, um rosto, uma voz ou um instrumento. Deixamos de comparar a realidade com o que ela deveria ser. Olhamos para a realidade, toda realidade, inclusive a realidade dos pensamentos e das emoções.
Eis o que significa “ver as coisas tais como são”.

Descobrimos em seguida que a luz da consciência e o fluxo da experiência que ela ilumina se confundem, sempre foram uma coisa só. Tudo é luz.

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O Fogo Liberador - Pierre Lévy

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