27 de agosto de 2013

O pensamento e o instante


Nem os pensamentos nem as emoções representam o que quer que seja. Eles são.

Passado e futuro só existem nos pensamentos presentes. Acreditar no futuro e no passado (aqueles que nossos pensamentos produzem: não há outros) é manter-se ainda na ilusão de seus pensamentos. Esteja atento à qualidade de seus pensamentos agora. Só o instante existe e a qualidade da vida é a do presente.

Só podemos ter um pensamento por vez. A comparação entre dois pensamentos, o julgamento ou a lembrança de um pensamento é ainda outro pensamento. Quando somos tomados por um pensamento, ele parece ser o mais importante, o mais urgente. Mas logo em seguida esse mesmo pensamento dá lugar a outro, de tal modo que nenhum pensamento é importante.

Os pensamentos que nos parecem “importantes” e os sentimentos que nos parecem “vivos” em determinado instante passam para segundo plano ou são esquecidos no instante seguinte. Observar esse processo incessante de aparecimento e desaparecimento, de entrada em cena e de retorno à sombra, deveria ajudar-nos a não acreditar na importância do que quer que seja e a perceber que nosso espírito está continuamente construindo e destruindo essa importância.

Nada é absolutamente bom, até mesmo o melhor pensamento: ele poderia nos fazer perder o instante.

A maioria dos “pensamentos” vem do automatismo mental. O verdadeiro pensamento, o pensamento nobre, é percepção direta, contemplação, presença, criação, ação sobre si, envolvimento profundo, transformação do ser. O pensamento nobre jamais é julgamento. Sabemos que realmente pensamos quando percebemos diferente,quando um espaço se abre.

Só os pensamentos felizes são pensamentos verdadeiros. Não estou falando das verdades “objetivas”, “universais”, “científicas”, mas sim das verdades existenciais, emocionais, da verdade das situações. Os pensamentos verdadeiros não são nem evasivas nem subterfúgios. Eles olham a vida de frente, aqui e agora. Os pensamentos verdadeiros são percepções.

A maioria dos pensamentos tece um véu que nos separa do mundo e de nós mesmos. Eles desviam nossa atenção do que acontece aqui e agora. Impedem-nos de sentir. Tentamos escapar da experiência direta do grande fluxo porque tememos renunciar à solidez ilusória de nosso eu e do mundo “exterior”. No entanto, por trás do borrão dos pensamentos, conceitos, preconceitos e de todas as formas de loquacidade mental brilha a luz do despertar.

Para orientar nossa existência, é preciso saber discernir. Para saber discernir, temos de aprender a ver as coisas tais como são. Para ver as coisas tais como são, é preciso cessar de projetar nossos estados mentais no mundo. Para cessar de projetar, devemos nos conhecer. Para nos conhecer, precisamos ser nosso próprio amigo. Para ser nosso próprio amigo, esforcemo-nos para acolher com carinho todos os pensamentos. Para aceitar todos os pensamentos, paremos de distinguir entre os bons e os maus. Se quisermos sinceramente cessar de distinguir entre os bons e maus pensamentos, temos de meditar com constância e disciplina. Para meditar, é preciso distinguir, sem julgar, entre a plena consciência do instante e a fuga nos pensamentos. Nesse estágio, o problema de se orientar na vida não mais se apresenta. Moramos desde sempre no coração da existência.


Jamais nos atemos ao tempo presente. Antecipamos o futuro, algo demasiado lento por vir, como para acelerar seu-curso; ou nos lembramos do passado, a fim de detê-lo tão rápido nos parece. De tão imprudentes vagamos nos tempos que não são nossos e deixamos de pensar no único que nos pertence. E de tão vãos, pensamos nos tempos que nada são e escapamos, sem refletir, do único que subsiste. É que o presente, de costume, nos fere. Ocultamo-lo da visão porque nos aflige; e se nos é agradável, lamentamos vê-lo escapar.
Esforçamo-nos para sustentá-lo através do futuro, e projetamos coisas que não estão em nosso poder num tempo que não sabemos se irá chegar. Se cada um. examinar seus pensamentos, irá encontrá-los todos ocupados no passado ou no futuro. Quase nunca pensamos no presente; e se nele pensamos é só para extrair-lhe a luz e dispor do futuro. O presente jamais é nosso fim: passado e presente são nossos meios; só o futuro é nosso fim. Assim, nunca vivemos, mas sim esperamos viver. E nos dispondo sempre a ser felizes, acabamos por nunca sê-lo.
Pascal

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O Fogo Liberador - Pierre Lévy

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