27 de agosto de 2013

O medo e o instante


O medo nos intima a fugir de determinado objeto ou situação. Mas é sempre da sensação, da própria experiência que queremos fugir. Encarar, sentir, estar presente consigo mesmo são umas das tantas vitórias sobre o medo. Se aceitássemos (nos) sentir, não deixaríamos as coisas chegarem até onde chegaram. Menos pesar haveria em nossas vidas e, em consequência, no mundo.

Não deixe sua atenção se desviar do todo. Vigie sua evolução global. Não perca de vista a totalidade. Conserve a presença de espírito. Enfrente toda a realidade.

A nobreza na atitude, o “porto”, está na sincronia entre o corpo e o espírito. Fisicamente presente, o nobre habita seu corpo. Põe o peso da presença em cada um de seus gestos.

A tática infalível do adversário é fazer com que você fique ausente de si, nem que por um segundo. Quando o espírito abandona o corpo, você se perde. Corta-se o canal de comunicação entre as tropas e o Estado-maior. Eis o pânico.

A raiz da covardia está na fuga do corpo, na evasiva diante da situação. O espírito do verdadeiro guerreiro sempre acompanha o seu corpo. Está ali, alerta, presente, calmo, vigilante.

A vilania está na distração, na desatenção consigo e com os outros. Um ser se rebaixa quando ó corpo não lhe pertence, quando seu espírito o deserta.

A coragem reside na determinação de enfrentar, assumir sua presença aqui e agora, não deixar o espírito se evadir.

Nas artes marciais, perder significa romper, nem que por um só segundo, a harmonia do espírito e do corpo.

Fracassamos porque em vez de observar e desafiar o que está diante de nós, ausentamo-nos em cálculos, planos e projetos.

O medo é uma vontade de fuga, um irrefreável desejo de não estar presente. O covarde não habita seu corpo.

O adversário quer “deixá-lo com medo”, dissociar seu corpo de seu espírito.

O que significa “estar presente”? Habitar o próprio corpo e cuidar do espírito.

Estar presente é a um só tempo a mais simples e a mais difícil das disciplinas. Por que tão difícil? Porque se estou presente, presente de verdade, sem fugir, fico vulnerável.

Fugimos do instante presente porque o tememos. Mas é exatamente o medo que o torna insuportável.

Você é o instante e nada mais.

Seja feliz por um instante. Esse instante é sua vida.
                                                                Ornar Khayyam

A raiz de todos os sofrimentos está na incapacidade de viver no presente, a cada segundo, e de nos maravilharmos com o fato de respirar, sentir, pensar, de nos relacionarmos com outros seres sensíveis.

Estar presente implica uma adesão integral às sensações e à experiência. Para isso seria necessário que os pensamentos parassem de ocupar nosso espírito ou, ao menos, que víssemos um pouco de través.

O espírito presente, como uma membrana muito fina, maleável e transparente, adere a todos os detalhes de seu campo visual, auditivo, olfativo, proprioceptivo e afetivo sem jamais se perder ou se desdobrar no pensamento que o faz descolar de seus sentimentos; sem se ausentar do fluxo de experiência, sem interpretá-lo ou conceitualizá-lo. Estar presente é tornar-se o próprio fluxo de experiência.

Deixando de me ausentar nos pensamentos, sinto minha própria presença envolver a presença de tudo o que constitui meu mundo. A partir do próprio movimento de retornar ao presente, torno-me sensível a mim e ao mundo, isto é, ao próprio instante.

Que sua alma esteja presente na dança cósmica, nas outras almas, em si mesma. Tudo é uma coisa só.

Nenhum bem é superior à alegria de existir aqui e agora.

Não há bem preferível à felicidade da pessoa que está diante de nós, aqui e agora.

O Bem não é a fonte da alegria, ele é a Alegria.

O Bem está na frágil, evanescente, qualidade do instante.

Você é a favor da alegria, da felicidade? É a favor do amor, da paz? Una sua vida a suas idéias e suas idéias a sua vida, concretamente, em cada segundo, agora, não rejeite o momento. Pois a única coisa que conta é esta vida daqui. Só a vida imediata é real. Seja o amor, seja a paz, seja a alegria. Agora. Todo o resto é hipocrisia.

O despertar supõe uma libertação de todos os conceitos e categorizações que reificam e aprisionam a existência. Todo ser que possui uma experiência direta do que quer que seja, e precisamente porque a possui, está alerta. Uma pessoa inventiva ou criativa desprendeu-se forçosamente dos preconceitos instituídos, seja no domínio da ciência, da arte, da cozinha, do amor ou de qualquer outro setor da existência. Ir além do instituído, do habitual, do mecânico, para poder criar ou interpretar livremente é sempre uma forma parcial de despertar. Parcial? Sim, porque ainda assim não atingimos o cerne do despertar que é a arte de ser humano.

Uma personalidade comum eqüivale a uma certa distribuição irregular e específica de seus momentos de presença, uma especialização ou uma filtragem singular de seu potencial de existência. O ser alerta, por sua vez, existe aqui, agora e em todas as direções, sem especialização nem filtragem. As pessoas aprisionadas pelo ego, encerradas em seus conceitos, limitadas por seus apegos não têm nenhuma idéia da qualidade e do poder da presença desperta, embora a base de seu ser seja precisamente essa presença arrebatadora.

Não quero apenas estar presente, mas “PRESENTE”. A palavra deve ser gritada com força, bem alto, para marcar a intensidade da presença possível.

Proteja seu espírito dos venenos. Viva em plena consciência. Seja feliz. Quando o veneno chegar, abandone-se e se volte para a canção dos sentidos.

Vigie o espírito: é ali que se decide a qualidade do instante.

Cada instante é sagrado porque é um instante de vida. Porque a vida é esse instante. Portanto, tudo o que povoa o instante é sagrado, assim como tudo o que conduziu a esse instante, mesmo o sofrimento, mesmo as causas do sofrimento.

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O Fogo Liberador - Pierre Lévy


[ Texto dedicado a um grande amigo. "Champz", essa é tua, parceiro! ]

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